segunda-feira, 12 de maio de 2008

GOVERNANÇA SOLIDÁRIA

Gedovar Nazzari

A Governança Solidária pode ser classificada como um método de gestão pública que prioriza a inter-relação dos órgãos públicos entre si e as relações das organizações públicas com a sociedade civil. Seu objetivo primeiro é concentrar o foco no desenvolvimento e no crescimento do cidadão, e não mais na estrutura como tradicionalmente se procedia. Nessa forma de gestão, é o cidadão que protagoniza as soluções dos problemas sociais, os programas e os projetos de desenvolvimento. No âmbito da administração pública a governança solidária visa superar as deficiências da administração burocrática com relação ao direito de participação do cidadão.
Essa forma de gerência pública, que adota uma concepção democrática mais forte e direta, é uma realidade de várias regiões do mundo, como pudemos constatar na Conferencia Mundial sobre Desenvolvimento de Cidades, realizado de 13 a 16 de fevereiro do corrente ano em Porto Alegre.
Para melhor entender a governança na óptica da administração pública, torna-se fundamental realizar uma retrospectiva histórica das formas anteriores de gestão pública utilizadas no Brasil. É bom lembrar que as Organizações surgiram concomitantemente ao sistema capitalista, objetivando alcançar metas comuns.
As organizações podem ser classificadas em públicas, vinculadas ao Estado; privadas, que envolvem empresas, e organizações civis solidárias, também conhecidas por organizações não governamentais, filantrópicas, fundações e os movimentos sociais não formalizados.
Toda Organização requer um sistema de administração, que abrange três formas: patrimonialista, burocrática e, mais recentemente no Brasil, a denominada gerencial. Essas formas de administração estiveram presentes em praticamente todos os países que adotaram o sistema político da liberal-democracia. Porém, nos países com sistemas ditatoriais a administração burocrática era/é mais enfatizada.
Conforme o plano diretor da reforma do aparelho do Estado, lançado pelo governo federal em meados da década de 90 do século passado, a administração pública patrimonialista se caracteriza por tornar o Estado uma extensão do poder real; os cargos públicos são distribuídos pelo soberano como trocas de favores. O Estado se torna um espaço privado dos detentores do poder. Tornam-se comuns praticas administrativas clientelistas e o tradicional apadrinhamento. Essa forma de administração favorece o surgimento do nepotismo e da corrupção. O marco histórico de seu surgimento no Brasil foi o ano de 1822, com a Independência, quando começou a se estruturar o Estado nacional, e se estendeu aproximadamente até o inicio da década de 1930.
Continuando, o referido plano salienta que para corrigir os vícios da gestão patrimonialista, no inicio da década de 1930, foi implantada no Brasil a administração pública burocrática. Esse modelo de gestão teve seu inicio com o Estado liberal e com o surgimento da burguesia industrial. A administração burocrática se caracteriza pela lógica instrumental do poder racional legal, pela impessoalidade, pela hierarquia, pelo formalismo e por possuir um comando centralizado. Essas características da burocracia pretendiam tornar o Estado um instrumento público. Para isso, foi estabelecido um controle rígido dos processos, com o objetivo de coibir a corrupção e o nepotismo, comuns na óptica administrativa anterior. Essa forma de administração, considerada moderna, ajudou a profissionalizar a administração pública, mas, por outro lado, demonstrou-se lenta e ineficiente para acompanhar as mudanças rápidas requeridas pela sociedade atual, ineficiente por referir-se a si mesma e por ser incapaz de tratar a pessoa como cidadã com direito de possuir serviço público com qualidade. (Câmara da Reforma do Estado, 1995)
Segundo Crozier (1981), um sistema de organização burocrática é um sistema incapaz de corrigir-se. É um modelo que coloca em primeiro plano as escolhas racionais em lugar do peso dos sentimentos, ou seja, é um modelo estático e descritivo, evidenciando-se o problema da mudança dentro de um sistema de organização burocrática. Afirma ainda o autor que a administração burocrática carrega no seu bojo uma dicotomia fortemente criticada pela corrente das relações humanas. Isto é, se por um lado ela é mais eficiente que as demais formas administrativas existentes até o presente momento, por outro lado a organização burocrática é uma ameaça para a liberdade e para os costumes da humanidade. (CROZIER, 1981)
Por sua vez, ao se referir às organizações burocráticas, Gerth (1982) salienta que o mundo burocrático é completamente arbitrário. Os membros do sistema estão protegidos, mas ao preço de um isolamento da realidade, difícil de suportar. Eles têm segurança e estão protegidos contra a sanção dos fatos, mas isso também significa que não têm que dimensionar seu próprio esforço. Esse isolamento da realidade e essa incapacidade de medir têm como conseqüência uma espécie de ansiedade – secundária – que permite explicar a importância de todos os problemas de relações humanas que ocorrem dentro de um sistema burocrático. O que os burocratas ganham em segurança, perdem em realismo. Para julgar seus próprios resultados eles têm necessidade de apoiar-se na sanção das relações humanas. Seu mundo é um mundo de lutas mesquinhas pelo prestígio, de pequenas disputas difíceis de resolver dentro de uma perpétua guerra de posições. Eles escapam em parte à ansiedade do homem moderno, mas em seu lugar desenvolvem um ponto de vista acanhado e enfrentam o recrudescimento da luta pelo poder, que são as características de um sistema social excessivamente rígido. (GERTH, 1982)
Devido aos elementos nocivos identificados na administração burocrática, no final de 1967 foram dados os primeiros passos em direção à administração gerencial, mas ela somente foi colocada em prática, no Brasil, após a constituição de 1988 e com a reforma do Estado e da administração pública.
Uma das características marcantes da administração pública gerencial, segundo o plano diretor de reforma do aparelho do Estado, se concentra na forma de controle. Passa do controle de processos, como era na administração burocrática, para o controle dos resultados. Dessa forma, os objetivos e os interesses da administração passam a ser o público e não a organização, como era anteriormente. Além do mais, a administração gerencial, apóia-se no principio da confiança, da descentralização de decisões e funções, das formas flexíveis de gestão, da horizontalização das estruturas e dos incentivos à criatividade. Outra característica importante da gestão gerencial é que o controle social exercido pelos cidadãos se fundamenta na democracia participativa direta. (Câmara da Reforma do Estado, 1995)
A passagem da forma de administração burocrática para gerencial é um dos fatores que realiza uma silenciosa revolução democrática na sociedade e nas organizações, que pouco a pouco conquista todo o mundo. A participação intensa dos cidadãos, de modo associado ou individual, passa a ser um fator determinante para a continuidade ou não das Organizações. A participação é o ingrediente de empoderamento da comunidade para que participe sempre mais nos projetos e nos programas que a comunidade desenvolve.
Nessa óptica é que se enquadram as varias iniciativas de gerenciamento público com Governança Solidária Local, de Orçamento Participativo e de outras tantas formas de gerência com participação, que ocorrem pelo mundo tanto no âmbito público quanto privado. Enfim, na administração gerencial, os resultados da ação da organização são considerados eficientes se as necessidades dos indivíduos estão sendo atendidas e não se os processos administrativos estão seguros e sob controle através de uma supervisão rígida da administração.
Resta-nos ficar atentos para que essas iniciativas de participação sejam espaços de participação efetiva do cidadão na tomada de decisão e na formulação das políticas da organização. Desse modo, a organização é de fato solidária. E deve-se atentar para que valores humanos como a solidariedade, não sejam cooptados por grupos de interesses meramente utilitários.
As organizações, públicas e privadas, somente se tornarão educadoras de solidariedade se na sua forma de condução criarem espaços de participação das pessoas envolvidas. São João Calábria, que viveu no período das duas grandes guerras mundiais, afirmava que somente com a reeducação das pessoas para a prática da solidariedade é que a humanidade evitaria catástrofes ainda maiores das que ele vivenciou. É por meio de relações solidárias que se construirá uma sociedade de paz, defensora da vida e auto-sustentada.

Referências

1 - CROZIER,

2 - GERTH,

3 - CÂMARA DA REFORMA DO ESTADO. Plano diretor da reforma do aparelho do estado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/publi_04. Acesso em: 28 fev. 2008.

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