terça-feira, 2 de março de 2010

ECONOMIA E VIDA NO CARISMA CALABRIANO

A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010 com o tema “Economia e Vida”, e com o lema “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt. 6,24), tem uma relação profunda com o Carisma Calabriano.

De fato, o “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça, e todo o resto vos será dado por acréscimo” (Mt 6,33), versículo este que inspirou São João Calábria a fundar as Congregações dos Pobres Servos e das Pobres Servas da Divina Providência e de todos os movimentos que compõem a família calabriana; é a conclusão da afirmativa de Jesus em Mt 6,24: “Ninguém pode ser servo de dois donos. De fato, ou odiará um e amará o outro, ou irá ao encontro de um desprezando o outro. Não podeis servir a Deus e o dinheiro”.

E dessa forma podemos afirmar, também, que o “Não vos preocupeis, portanto, com o amanhã...”, é o modo de viver da pessoa que acredita e busca somente o reinado de Deus Pai, acima do dinheiro. Afinal, quando servimos somente a um único dono, isto é, somente a Deus, e não ao dinheiro, Deus se torna único na nossa vida, Ele se torna como um pai que se preocupa com todas as exigências que se impõem ao viver humano. Daí é que vem nossa confiança e nossa fé na Divina Providência. Deus é Pai, mãe e cuida de todos seus filhos.

“Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”, é uma frase que pode ser usada para muitas coisas que ameaçam a primazia de Deus na nossa vida, como o poder, a fama e os prazeres. Mas para Jesus, os dois senhores são mesmo Deus e o dinheiro.

Podemos entender o dinheiro no texto de Mateus 6,24 através de duas maneiras. Isto é, podemos entender esta afirmativa de Jesus através da ótica da moral ou através da ótica das relações sociais.

Enxergamos na ótica da moral, quando dizemos que devemos ter com o dinheiro um comportamento de desapego, não sermos avarentos, gananciosos e egoístas. E acreditamos que isso é suficiente para vivermos o Evangelho com relação ao dinheiro. Todos nós reconhecemos que esse modo de agir são expressões erradas, que colocam o dinheiro em uma posição contrária e acima de Deus, tornando-se um valor absoluto na vida das pessoas.

Por outro lado, temos que admitir que a maneira como está organizada a vida em sociedade atualmente nos faz extremamente dependentes do dinheiro. A realidade é que nos tornamos necessitados e desejosos do dinheiro para sobrevivermos. Afinal, todos nós precisamos de dinheiro para comprar alimentos e pagar as contas.

Ao interpretar o texto de Mateus 6,24 somente como desapego, podemos nos tornar escrupulosos com relação ao dinheiro, individualistas e intimistas e, desta forma, não conseguimos enxergar que o dinheiro é uma peça fundamental na organização econômica, social e política da sociedade contemporânea.

Segundo a teoria da sociedade de livre mercado, só o trabalho gera capital, dinheiro. O problema é que na realidade existe capital sem a necessidade do trabalho, como a terra e as inúmeras fontes de energia, incluindo a fauna e a flora. Além do dinheiro, que, na especulação financeira, gera dinheiro, e que não é investido na geração de trabalho. Para Rousseau (1999), a apropriação privada de tais bens os transforma em capital privado, provocando na sociedade uma imensa desigualdade entre as pessoas que têm muitas posses e as pessoas que não têm nada. Dessa forma, parece que na sociedade contemporânea, não vivemos em um sistema de livre mercado.

O dinheiro é tão importante na sociedade em que vivemos hoje, que ela foi chamada de capitalista pelos primeiros estudiosos, por se tratar de um sistema social que dá a hegemonia do processo histórico ao capital, aos bens e ao dinheiro. Nesse modelo social, é o dinheiro que decide nas opções políticas, nas ações administrativas e financeiras, decide como resolver as tensões sociais, na escolha da profissão e influencia, inclusive, no número de filhos das famílias.

Para Jesus, no Evangelho de Mateus 6,24, o dinheiro é símbolo de um sistema que escraviza. Por isso, Jesus chama o dinheiro de mamona. Mamon não é exatamente dinheiro, na forma especifica de moeda, como denário ou talento, que Jesus também usa para o pagamento do salário dos trabalhadores de última hora. Mamon é um deus pagão que tem por objetivo favorecer o enriquecimento de seus adoradores.

Mamon representa o sistema financeiro, cuja moeda governa a vida das pessoas e é uma ameaça constante à liberdade das mesmas. Para Jesus e os discípulos, esse deus é iníquo e deve ser dispensável em favor de uma sociedade justa, fraterna e solidária.

A Campanha da Fraternidade quer nos “educar para a prática de uma economia de solidariedade”. A solidariedade entendida como um espaço social, no qual as ações do tipo cooperativo são coordenadas com base na presunção de interesses, normas e valores comuns, relativizando interesses individuais e interesseiros.

O exercício da fraternidade e da solidariedade na economia é uma maneira de dar forma prática a nossa fé e ao nosso abandono na paternidade de Deus. Podemos afirmar que defender uma economia que leve em conta os princípios da fraternidade, da solidariedade e da comunhão, é dar consistência a uma “Ordem Nova ou Nova Ordem” tão falada e desejada por São João Calábria. Afinal, somente venceremos um sistema econômico que nos diminui em “coisa” se cremos e aceitamos que Deus seja o único em nossa vida. Além do mais, é somente acreditando que Deus é nosso Pai Providente, é que o nosso irmão pobre se tornará visível e cidadão.

BIBLIOGRAFIA
AVILA, Fernando Bastos de, Solidarísmo: alternativa para a globalização, Ed. Santuário, Aparecida, SP: 1997.
CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, Campanha da Fraternidade 2010: Manual. Brasilia, Edição CNBB. 2009.
LARA, Valter Luiz, Vida Pastoral, Ed. Paulus, março-abril 2010 – ano 51 – n. 271.
Leitura Teológica do “Buscai primeiro...”. Em Pe. João Calabria, Estudos Calabrianos, 1999.