segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

SOCIEDADES DE DOMINAÇÃO E SOCIEDADES DE PARCERIA

Prezados leitores;
Sugiro a leitura do artigo de Augusto De Franco, no blog abaixo, "sociedade de dominação e sociedade de parceria". Nos leva a uma reflexão interesante para nosso agir, no ambiente onde estamos.

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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

OLHARES DA REALIDADE DO DISCÍPULO MISSIONÁRIO CALABRIANO

A sociedade contemporânea passa por profunda transformação, e com ela assistimos e vivemos mudanças na esfera do trabalho, na cultura, na economia, na política, na religião e no social, que afeta nossas relações individuais e das organizações que pertencemos. Mudanças que tiveram seu inicio com o iluminismo, a revolução francesa, a reforma protestante e as revoluções industriais, as quais desestruturaram antigos modos de vida.

No cenário social contemporâneo nos apresenta duas possibilidades, se por um lado, estamos talvez às portas de inaugurar outra sociedade, de dimensão mundial, com nova sensibilidade social, descentralizada, pluralista, mais humana e solidária; por outro, existe o risco de inaugurarmos uma sociedade com uma centralização de poder ainda mais profunda, mais autoritária e controlada em todos os sentidos, principalmente pelo utilitarismo econômico, onde a importância do homem é reduzida pelo que produz e o que possui.

Sentimo-nos afetados por essas mudanças, e como discípulos missionários, “sentimo-nos desafiados a discernir os ‘sinais dos tempos’, à luz do Espírito Santo” e do Carisma Calabriano, “para nos colocar a serviço do reinado, anunciado por Jesus, que veio para que todos tenham vida e ‘para que a tenham em plenitude”[1]. Os discípulos missionários precisam conhecer a realidade para distinguir com clareza quais são as propostas que nos são apresentadas que não se coadunam com os princípios do Evangelho e o bem comum.

Como já mencionamos, as mudanças que assistimos na atualidade é resultado de um longo processo de transformação, que ocorreu em conseqüência da revolução industrial que iniciou no decorrer do século XVIII, e afetou o interior da força produtiva e a relação entre as pessoas.
Nesse período os camponeses viram suas atividades e suas corporações serem invadida por novas concepções de trabalho que marcaram a passagem de uma civilização agrícola rural para uma civilização industrial urbana. Essa mudança ocorre ainda em nossos dias, trazendo com ela profundas mudanças no modo de nos relacionarmos com tudo o que se apresenta ao nosso redor. Isto é, nossa relação com as pessoas, com as Organizações, com a Fé, com conosco mesmo e com a natureza.

Costuma-se dizer que a sociedade viveu três etapas da revolução industrial. A primeira revolução foi a utilização da maquina a vapor, a segunda o surgimento do motor elétrico e a terceira, que estamos vivendo hoje, ocorre pela utilização dos conhecimentos da eletrônica, da computação, da automação no setor produtivo e da energia atômica.[2] A revolução industrial “elevou-se à condição de fenômeno mundial, consolidando definitivamente o modo de produção capitalista”. Com a industrialização decorreu um processo de centralização da economia[3] e um intenso desenvolvimento da ciência e da tecnologia, com “capacidade de manipular geneticamente a própria vida dos seres vivos, e com capacidade de criar uma rede de comunicação de alcance mundial”[4], com possibilidade de conectar as pessoas individualmente em tempo real e encurtar as distâncias.

Com a revolução industrial, surgiram novas formas de trabalho que foram impostas aos trabalhadores, especialmente pelo Teylorismo, ou Organização Cientifica do Trabalho, no inicio do século XX, e a automatização da fábrica para produção de caráter “intensivo”. É um método de organização objetiva do trabalho, que tem por característica a grande empresa estruturada nos princípios de integração vertical e na divisão social e técnica institucionalizada do trabalho.[5]
Esse modelo organizativo que utiliza seqüência linear do trabalho fragmentado, simplificado, rotinizado, sob o comando fortemente hierarquizado, onde o coordenador planeja e os empregados executam, criou nas instituições costumes de condução organizacional centralizada sem a participação dos colaboradores. Como se ouve ainda dizer, “o colaborador foi contratado para trabalhar e não para pensar e opinar”. Esse método, ainda hoje enraizado na cultura organizacional não tem colaborado para um desenvolvimento humano e integral das pessoas que colaboram com as Organizações, por que não permitem a participação dos mesmos na tomada de decisão das instituições. Além do mais, convivemos com um sistema burocrático, hierarquizado, legal e impessoal, símbolo de modernidade, que não colabora para desenvolver relações humanas, fraternas e solidárias no interior das organizações, incluindo nessas as relações comunitárias.

Porém no decorrer da década de 1980, a competitividade das indústrias não dependia de quantidade ou produções em série, mas na capacidade de produzir variedade de produtos com preços baixos. A rigidez tornava-se obstáculo. Para superar o impasse surge sistemas de condução das organizações, que passam a ouvir e apoiar as idéias dos empregados e não determinar o que eles deveriam executar, enfim, em lugar do sistema hetero-organizado centralmente, surge um sistema auto-organizado descentralizado e flexível.

A principal transformação que assistimos hoje na esfera organizacional pode ser assinalada como a alteração de burocracias verticais para a Organização horizontal. Em outras palavras, “a Organização horizontal é uma rede dinâmica e estrategicamente planejada de unidades autoprogramadas e autocomandadas com base na descentralização, participação e coordenação”[6]. Porém devemos admitir que esses valores humanos, embutidos nessa nova concepção organizativa, geralmente, são cooptados para o interesse unicamente produtivo, visando o lucro mais que a satisfação e valorização das pessoas.

O desenvolvimento tecnológico, de modo especial o da comunicação e da informação, nos conduz para a necessidade de organizações em redes. As redes possuem uma relação direta com a informação e a comunicação. No passado, com a ausência de tecnologia de comunicação e de informação, as redes possuíam uma configuração centralizada; posteriormente, com tecnologias de comunicação como o telégrafo que unia somente centros, as redes passaram a se configurar de forma descentralizada, e atualmente com ferramenta com a internet a rede se torna distribuída[7]. Com essa configuração, cada indivíduo é um nodo da rede, cada pessoa e cada instituição é parte integrante da rede. Com as tecnologias da informação e da comunicação existente atualmente, “nasce a era das redes distribuídas, que abre possibilidade de passar de um mundo de poder descentralizado a outro mundo de poder distribuído”[8].

O poder distribuído é a concepção do poder “fraco” na óptica da organização cientifica, mas que no consenso, se torna “forte”, dinâmico e auto-sustentável. Hoje as relações requerem diálogo, discução, aprendizado, transparência e valores claros. Somente assim podemos empoderar e motivar as pessoas para assumirem os objetivos carismáticos da Congregação.

Por outro lado, esse fenômeno humano de escala mundial, traz conseqüências em todos os campos de atividade da vida social, criando impacto na cultura, na economia, na política nas ciências, na educação e na religião[9]. Se por um lado a rede distribuída amplia infinitamente a possibilidade de relações, dando condições de criar uma verdadeira fraternidade planetária; por outro lado ela pode afrouxar a relação entre os membros da própria comunidade, reforçando o individualismo e o isolamento dos membros. É de fundamental importância sabermos como esse fenômeno da mudança impacta na vida da comunidade religiosa e na espiritualidade, para que esse novo contexto social não transforme a vida religiosa complexa e sem brilho, mas sirva de ajuda para uma relação mais intensa, fraterna e solidária.

Estamos vivendo, também, um momento de passagem para um capitalismo pós-moderno, onde o trabalho abstrato simples é substituído pelo trabalho complexo; o trabalho de produção material é substituído pelo trabalho imaterial[10], ou de serviço que requer uma atualização constante tanto individual quanto Organizacional. A formação para o trabalho interpessoal e em grupo passa a ter fundamental importância para a vivência comunitária e para a missão.
A produção de bens está na base do surgimento do capitalismo, o qual passa na atualidade por um redimensionamento chamado de projeto neoliberal.

A primeira vista o capitalismo liberal se apresenta como um simples sistema econômico, neutro política e socialmente, inclusive com proposta coerente para proporcionar o bem-estar das pessoas[11]. Porém, na pratica se descobre que o capitalismo não é apenas um mecanismo econômico como se apresenta à primeira vista. Pelo contrário o capitalismo liberal é na verdade um sistema político, econômico e social[12]. É um sistema que prega um novo desenho institucional e político que envolve toda a sociedade, com uma tentativa clara de implantar uma nova concepção de mundo. “... um mecanismo econômico que, para funcionar, vinculou a si e consagrou uma determinada concepção do homem como ser livre, individualista, egoísta e calculista. Repudiou como lírica e irrealista qualquer outra concepção”[13].

Sendo assim, o problema não está na procura de bens como o alimento, roupa, equipamentos para a missão e até segurança para o futuro. Mas o erro está no fato de valorizar essas coisas como se elas tivessem o poder de solucionar o problema e de encontrar segurança e serenidade na vida. O erro está no fato de que hoje se olha somente para os bens e os meios que possuímos sem levarmos em conta primeiramente a Deus Pai[14]. Jesus disse sem mim nada podeis fazer, não disse sem os meios materiais nada podeis fazer.

No contexto do capitalismo, facilmente nos deixamos influenciar e passamos a ver a realidade, as atividades e a missão de forma unilateral. Isto é, a partir da informação da economia, da política, da gestão e da ciência. “No entanto, nenhum desses critérios parciais consegue propor-nos um significado coerente para tudo o que existe. Quando as pessoas percebem essa fragmentação e limitação, costumam sentirem-se frustradas, ansiosas e angustiadas”[15]. Em outras palavras, muitas vezes, por influencia da concepção da ordem neoliberal, não nos deixamos conduzir, em nosso discipulado e missão, pela “ordem nova” ou “nova ordem” tão falada e desejada por São João Calábria, a qual traz um sentido de completude para nossa vida.

A filosofia neoliberal defende que a desigualdade deve ser vista como coisa positiva; os fracos devem acabar com sua exclusão e não serem atendidos pelo Estado de Bem-Estar, mas por associações e instituições privadas; os ricos têm papel ativo, e substitui o Estado intervencionista, o Estado deve ser mínimo no social e forte na proteção econômica. A crise deve-se ao aumento da carga fiscal sobre as empresas e sobre os ricos; o mercado regula tudo e não contempla o fracassado[16]. Os neoliberais, são contra o verdadeiro significado de política, entendem por “política como vontade dos homens aplicada na decisão sobre como aprimorar suas condições materiais de vida”[17]. É uma doutrina que não aceita a democracia como valor, democracia no sentido “forte” do termo que ocorre nas relações humanas cotidianas, mas como mero sistema político organizacional de governo[18].

Como sistema de governo, o neoliberalismo adota como inimigo o avanço dos movimentos sociais; de estudantes, de consumidores, sem terra, sem teto, ecologistas, minorias culturais, negros, mulheres e grupos de contracultura; e a intervenção do Estado na economia[19]. As organizações comunitárias que se orientam por valores como a fraternidade e a solidariedade devem estar conscientes que seu jeito de viver e de agir é contra-hegemônicos aos valores que atualmente a sociedade defende de modo preponderante. A teoria neoliberal que “expressa mentalidade de se desligar a economia quer do confronto com a palavra de Deus quer das instâncias éticas gerais”. Leva o coordenador católico, envolto nesse ambiente tecnocrata, à conclusão que levar em consideração no seu trabalho os valores do Evangelho, pode colocá-los em situação de inferioridade com relação àqueles que são mais desenvoltos em seu agir administrativo[20].
Este tipo de concepção que marginaliza os valores morais parece ter sido uma das causas centrais do ‘vicio ético’, como a corrupção, em que se precipitaram em diversas organizações[21]. O lucro está no centro da ideologia capitalista, a qual se expande sobre a égide do individualismo e conseqüentemente traz um desenvolvimento econômico e social completamente divorciado da ética e da solidariedade.

Segundo Dom Erwin a Igreja da América Latina e do Caribe está diante de três alternativas; amedrontada, enterrar os muitos tesouros que recebeu[22]; se inserir ao sistema capitalista e propor pequenas melhorias; ou intervir com sinais de justiça no mundo injusto e lançar as sementes do Reino. A Igreja de Aparecida assumiu essa intervenção e ruptura como serviço aos pobres. Ela prometeu não apenas ser advogada dos pobres, mas a sua casa. Como casa dos pobres[23], a Igreja será casa de esperança[24]. Para São João Calábria os pobres são nossos donos, desta forma são eles que devem pautar as decisões de nossa missão.

Estamos diante de um grande desafio; passar de um modo de agir balizado pelo materialismo dominante, que nos joga para uma relação, onde cada um pensa para si, que vê o irmão como concorrente, onde o exercício da coordenação é exercido de forma egocêntrica e autocrática; para um modo de agir que brota do Espírito, que se traduz em uma relação de escuta, da caridade e do serviço; com coordenação circular, em rede distribuída e que tem a democracia como valor relacional. Enfim que o Reinado de Deus possa ser claramente vivido e testemunhado.

BIBLIOGRAFIA
1 - ÁVILA, Fernando Bastos de, Solidarismo: alternativa para a globalização / Fernando Bastos de Ávila. – Aparecida, SP: Editora Santuário, 1997.
2 - AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
3 - CARD. MARTINI, Carlos Maria, Estudos Calabrianos, Dinheiro, Evangelho, Providencia, 2004.
4 - CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. V.1, 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
5 – Dewey, John. Democracia Cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey: 1927-1938\ Augusto de franco, thamy Progrebinschi (organizadores). – porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
6 – Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferencia Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 13 – 31 de maio de 2007.
7 - GORZ, André. O imaterial. Conhecimento, valor e capital. São Paulo: AnnaBlume, 2005.
_____. Misérias do Presente, riquezas do possível. São Paulo: AnnaBlume, 2004.
8 - GROS, Denize Barbosa, Institutos Liberais e Neoliberalismo no Brasil da Nova Republica. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Hauser, 2003.
9 – Leitura Teológica do “Buscai Primeiro...” Em Pe. João Calabria, 1999.
10 – MAGGIONI, Bruno. Dinheiro, Evangelho, Providência. Estudos Calabrianos, 2004.
11 - SANDRONI, Paulo (Org.). Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005.

12 - UGARTE, David de. O poder das redes: manual ilustrado para pessoas, organizações e empresas, chamadas a praticar o ciberativísmo – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
13 – KLIKSBERG, Bernardo. Más ética más desarrollo, Tema Grupo Editorial SRL, 5а Edição, Buenos Aires, Argentina, 2004.
[1] Jo 10,10. Em Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferencia Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 13 – 31 de maio de 2007. Pag. 33
[2] SANDRONI, Paulo (Org.). Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005.
[3] AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
[4] Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferencia Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 13 – 31 de maio de 2007. Pag. 34
[5] Castells, 2005
[6] CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. V.1, 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005. pag. 223
[7] UGARTE, David de. O poder das redes: manual ilustrado para pessoas, organizações e empresas, chamadas a praticar o ciberativísmo – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
[8] Ugarte, 2008
[9] DA, 35
[10] GORZ, André. O imaterial. Conhecimento, valor e capital. São Paulo: AnnaBlume, 2005.
[11] Ávila,1997
[12] Ávila,1997
[13] Ávila, 1997, p. 17
[14] MAGGIONI, Bruno. Dinheiro, Evangelho, Providência. Estudos Calabrianos, 2004. pag. 11
[15] DA, 36
[16] GROS, Denize Barbosa, Institutos Liberais e Neoliberalismo no Brasil da Nova Republica. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Hauser, 2003. pag. 16
[17] Lopes, 1988, citado por Gros, p. 84
[18] Dewey, John. Democracia Cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey: 1927-1938\ Augusto de franco, thamy Progrebinschi (organizadores). – porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
[19] Gros, 2003
[20] Martini, 2005, p. 17
[21] KLIKSBERG, Bernardo. Más ética más desarrollo, Tema Grupo Editorial SRL, 5а Edição, Buenos Aires, Argentina, 2004.Pag.20
[22] Mt 25, 14s
[23] DA, 8,5240
[24] Dom Erwin, Bispo do Xingu-PA